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Mhamba Ya Ukanyi” (O Ritual de Ukanyi): uma tradição na modernidade – entrelaçamentos do rural e urbano

Dulcídio M. Albuquerque Cossa – Doutorando, PPCIS-UERJ

2015-2016. Moçambique, província de Gaza, distrito de Bilene, Macuane (espaço rural) e província de Maputo Marracuene (espaço urbano). Mhamba ya ukanyi (o ritual de ukanyi) é um ritual tradicional, do tempo dos antepassados, que se mantém e é (re)significado nos dias atuais nos contextos rural e urbano. Um ritual festivo da região Sul de Moçambique, com mais incidência para as províncias de Maputo e Gaza, cujo intuito de consumir a bebida sagrada ukanyi que marca a época de colheita e revigora o convívio com os antepassados. São três etapas: kuhawula mindzheko (ritual de abertura), no qual invocam os antepassados para anunciar a chegada da época de ukanyi e pedir permissão para realizar; xikuwha (auge/ápice do ritual), os indivíduos reunidos em grupos vão de casa em casa consumir ukanyi; e kuhayeka mindzheko (ritual de encerramento), em que se invocam os antepassados, relatam o processo do ritual e anunciam o fim da época de ukanyi.

            Mhamba ya ukanyi é intermediado pelo régulo, conhecido como mukhulu, figura-referência, responsável por instituir as normas de conduta, as regras e sanções que regem a comunidade. É o detentor da sabedoria ancestral, pois é protegido e guiado pelos antepassados. O régulo estabelece a mediação entre os vivos e os mortos, entre os participantes e os antepassados no ritual de ukanyi e no cotidiano. A articulação entre os régulos, curandeiros, demais líderes tradicionais com os participantes do ritual de ukanyi garante o sucesso do processo ritual.

Há especificidades do ritual em Macuane (rural) e Marracuene (urbana). Em Marracuene há duas outras cerimônias: Gwaza Muthini (simboliza a luta de resistência à ocupação colonial portuguesa), e o Festival de Marrabenta (música), que tornaram mhamba ya ukanyi um “mega-evento” que atrai turistas de diversos cantos. Durante o ukanyi, algo muito forte une estes dois espaços (Macuane e Marracuene) porque deixam de ser espaços corriqueiros, estáveis. Suas diferenças rural-urbano são tênues, transformando-se em espaços de ukanyi, lugares praticados (Certeau, 2011).